Maria D. Vibranovski é cientista e bateu um papo com a gente sobre o assunto do ano: a pandemia. Ela contou, ainda, a partir de sua experiência na área de genética e evolução, como os genes podem ter relação com o coronavírus. Ex-aluna da EDEM, onde estudou da Educação Infantil ao Fundamental, Maria tem um currículo admirável.
A cientista é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), Mestre em Ciências Biológicas (Genética) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002) e Doutora em Ciências Biológicas (Bioquímica) pela Universidade de São Paulo (2005). Fez pós-doutorado pela Universidade de Chicago, no Departamento de ecologia e evolução (2010). Atualmente é professora doutora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo e Jovem Pesquisadora (Fapesp). Tem experiência na área de Genética e Evolução, com ênfase no estudo de cromossomos sexuais, expressão gênica na gametogênese, evolução de genes novos e bioinformática.
1) Como o estudo da genética é capaz de evitar ou combater o surgimento de determinadas doenças? É possível?
R: Sim, é possível. Existem diferentes suscetibilidades a certas doenças, como por exemplo, o próprio coronavírus. A gente sabe que há pessoas com mais chance de ter mortalidades, se elas têm certas comorbidades. A idade é uma delas. As crianças quase não morrem, já pessoas mais idosas correm mais risco. Se uma pessoa já tem algum tipo de doença pré-existente, como diabetes, obesidade, problema do coração, problema pulmonar, também. Então as pessoas têm essas diferentes suscetibilidades devido a várias razões. Algumas são ambientais, quando o ambiente gera isso. Então, a própria diabetes tem um fator ambiental, que é o quando você se alimenta de açúcar. Mas há outras pré-disposições genéticas e se a gente entende quais são os componentes genéticos capazes de influenciar nessa suscetibilidade, entende como combater essa doença e como os genes são expressos quando uma doença ocorre. No caso do coronavírus, a gente sabe que existe um certo gene chamado ACE2 que é mais expresso nas pessoas que têm maior taxa de mortalidade. Entender isso geneticamente é importante, porque você não é capaz não só de combater, mas prevenir a mortalidade das pessoas.
Se a gente entende exatamente como um gene é influenciado quando ocorre uma infecção, pode tentar desenvolver drogas que façam com que esse efeito seja diminuído. Ou até mesmo fazer uma prevenção, como por exemplo descobrir que um certo gene funciona mais quando há a infecção do coronavírus e esse funcionamento leva à mortalidade. Assim é possível desenvolver um teste genético, de funcionamento desse gene. Quando uma pessoa chega ao hospital, por exemplo, uma ideia seria que já se medisse o quanto a pessoa tem desse gene funcionando. E aí você ter uma previsão de qual seria a chance de ela morrer ou não, e, a partir disso, levar ela para um tratamento mais intensificado ou não. Já foram descobertos vários genes que influenciam em várias doenças e várias, também, diferenças entre os indivíduos capaz de ter genes que são genes protetores a certas infecções ou certos desenvolvimentos de doenças.
2) Em relação ao corona, como a genética explica que seres vivos como os homens contraiam a doença e contaminem outros homens e outras espécies só contraiam e não contaminem outras?
R: Essa é uma pergunta bastante interessante que a gente já tem alguma informação sobre o coronavírus. Tudo indica que o coronavírus veio de uma espécie de morcego, que tinha o vírus mas não contraía a doença, a Covid-19. E em algum momento esse coronavírus foi conseguindo infectar o ser humano e capaz de não só fazer essa transferência do vírus do morcego ou de um animal, um hospedeiro, para o homem, mas, também, de ser humano para ser humano. Uma outra informação que a gente tem agora é que parece que esse vírus que a gente porta agora, o coronavírus, na verdade não possui uma sequência só similar com a sequência que é encontrada no coronavírus de morcego. Ele possui um pedaço do coronavírus do morcego como um pedaço do coronavírus de pangolim. Essa combinação genética entre essas duas partes do coronavírus que surgiu na gente é que pode ser a sequência, o vírus, que é capaz de infectar e levar a doença. A genética explica porque tanto nós quanto os animais temos uma variabilidade dos genes que formam uma série de características das nossas células que são capazes, então, de influenciar a manifestação da doença. Muitas vezes, essa nossa combinação genética, que veio do pangolim com o morcego, pode ser capaz, agora, de entrar nas nossas células: ela tem uma relação melhor com os receptores da nossa célula, por exemplo. Então, essa diferença em termos dessa combinação genética das duas moléculas de RNA do vírus, tanto do morcego quanto do pangolim, são importantes para essa capacidade, agora, de ligação com receptores ou com pedaços da nossa célula e é capaz de infectá-las.
Muitas vezes, o que acontece, é que, ao longo desse processo, os vírus têm uma capacidade de mutação muito rápida. E essas modificações, muitas vezes, são o que a gente chama de adaptativas, que são capazes, agora, de entrar nas nossas células e causar o dano e infectar e se reproduzir e se proliferar. E o que acontece? Não só a gente tem uma variabilidade dessa capacidade de infectar entre os indivíduos da mesma espécie, como também do vírus e da própria célula, dessa combinação de se infectar, entre nós e os outros animais. Então essas são algumas explicações genéticas que são possíveis para entender a diferença de infecção e de reprodução e de proliferação do vírus e causar doença nas nossas células em relação aos outros hospedeiros.
3) Como você vê esse momento do país em relação a investimento na ciência?
R: Eu vejo da seguinte maneira: o país tem um histórico muito menor de investimento à ciência, quando comparado a outros países desenvolvidos. Mas, nos últimos 15 anos, houve um investimento desse crescimento da ciência. Que, com a crise econômica do Brasil, houve, de um tempo para cá, uma diminuição drástica. Por outro lado, vejo a questão do coronavírus fortalecendo a importância da ciência e da descoberta e dos avanços para, exatamente, fortificar o combate à doença. Então, a sociedade como um todo vê a importância desse investimento e da ciência. Muitos cientistas têm falado em muitos jornais e muitos canais. Mas o Brasil tende, agora, a diminuir cada vez mais esses investimentos na ciência, como corte de bolsas, corte de financiamentos…. Isso tudo tem um impacto enorme, não só agora, na situação de agora da ciência, mas um impacto futuro muito grande. porque quando você deixa de investir na ciência agora, está prejudicando os resultados que vão vir daqui a quatro, cinco, 10, 20 anos. Então, cortar e diminuir esse investimento tem uma consequência fortíssima pro nosso futuro. E a gente sabe que todos os países que se desenvolveram tiveram investimentos muito grandes na ciência e na tecnologia. Então é muito triste. Vejo muitas pessoas desistindo de fazer ciência, ou indo para outros países para fazer ciência. E com isso a gente cada vez mais vai continuar menos desenvolvido e menos fortalecido como país.
4) A EDEM te influenciou na sua profissão ou te aproximou da ciência?
R: Estudei na EDEM durante todo o Maternal até o fim da 4ª série, que seria hoje da Educação Infantil até o fundamental 1. E a EDEM teve extrema importância pra mim nessa aproximação com a ciência. Na verdade, muitas pessoas se perguntam “qual a característica mais importante que você precisa ter pra ser um cientista?”. Acham que precisa ser inteligente, estudar muito, saber muita matemática, saber muita biologia. No meu caso da genética. na verdade, o que você precisa ter realmente como base pra ser um cientista é a sua criatividade. Eu acho que é a característica mais importante no cientista, porque ele vai precisar ter ideias de como resolver as coisas. E muitas vezes essas ideias precisam fazer a gente pensar fora do escopo, fora da caixinha. E sem criatividade é mais difícil. É preciso pensar em formas alternativas de resolver um problema. E isso só a criatividade te traz. Então toda essa parte da Educação Infantil e a primeira parte do Fundamental, quando a criança é estimulada a ter essa criatividade, a pensar de uma maneira diferente ou da sua própria maneira, é muito importante pro desenvolvimento futuro de toda a maneira como você vê o mundo, falando aqui em termos científicos. Eu tive toda essa base na EDEM. Apesar de eu ser pequena naquela época, lembro completamente disso, dessa estrutura da EDEM que foi muito importante pra mim. Então eu considero fundamental mesmo esse estímulo da criatividade que a EDEM tem nessa arte tão inicial e tão fundamental na educação de uma pessoa. Sou muito agradecida a essa influência.